A DEPENDÊNCIA QUÍMICA OU ADICÇÃO
É inegável que nossa existência pede algum tipo de prazer. Enfeitar um pouquinho a vida é próprio de todas as culturas. Freud dizia, em seu livro “O mal-estar da civilização” que para enfrentarmos a realidade como ela é, nua e crua, precisamos de algum mecanismo de escape. E o álcool e outras drogas, utilizadas de forma casual ou não, possibilitam este escapismo. Mas, uma coisa é relaxar e se divertir um pouquinho e até mesmo fantasiar um pouquinho, e outra coisa é buscar nestas substâncias um relacionamento dependente e compulsivo, tornando um usuário de risco, comprometendo a sua própria integridade física e/ou psicológica, como também dos demais.
POR QUE ALGUMAS PESSOAS USUÁRIAS DE DROGAS PSICOATIVAS SE TORNAM DEPENDENTES QUÍMICOS E OUTRAS NÃO?
Para responder à pergunta acima, precisamos entender primeiramente como funciona um circuito cerebral conhecido como “Sistema de Recompensa”. Sua função é programar o cérebro para repetir ações que nos dão prazer e fazem bem à nossa sobrevivência, como comer uma sobremesa gostosa, praticar sexo ou algum tipo de esporte, etc; nos protegendo também de ações desagradáveis e nocivas, como fugir de alguma ameaça iminente. Ele é composto basicamente por células nervosas (neurônios) que se comunicam entre si. Uma vez ativado libera dopamina, um neurotransmissor responsável pela sensação de prazer.
As substâncias psicoativas, assim como o chocolate, o sexo ou o esporte descritos acima, também ativam a produção e concentração de dopamina, fazendo com que o corpo tenha uma “mega” sensação de prazer. Por isso, usuários abusivos e dependentes químicos buscam, acima de tudo, o prazer, querendo repeti-lo mais vezes. E esta sensação fica registrada.
Com o uso contínuo e abusivo, espera-se alcançar o mesmo efeito provocado anteriormente, mas, o organismo entra em um processo chamado tolerância, no qual é necessário usar cada vez mais para que responda da mesma forma, ou seja, para que se consiga atingir a mesma sensação de prazer anterior.
Portanto, a necessidade de busca desse efeito e da sensação de prazer que ficou registrada é a chamada dependência psicológica.
Algumas pessoas, principalmente os jovens, movidos pela curiosidade para conhecer seus limites ou sentirem incluídos em algum grupo, experimentam ao longo da vida alguns tipos drogas, mas continuam seus caminhos, sem grande envolvimento com as mesmas e sem sofrer nenhuma consequência danosa em suas vidas. Ou seja, seguem em frente com seus objetivos e não se deixam levar por elas.
Outras, entretanto, passam de usuários casuais para usuários de risco e se tornam dependentes químicos, perdendo o controle sobre as mesmas.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a dependência física das drogas é aquela que produz na maioria dos usuários uma necessidade irresistível da droga que quando suprimida se manifesta em sintomas físicos sérios e/ou dolorosos (síndrome de abstinência, com risco de vida ou não).
A dependência química, portanto, passa a ser uma patologia ligada ao prazer, e infelizmente ainda não encontramos sua cura.
É importante frisar que o prazer que se sentia antes do abuso não existe mais e que o desprazer é a sensação que mais se tem quando se torna dependente das drogas.
Isto se dá basicamente por características individuais, tanto do ponto de vista biológico como psicológico, por predisposição genética, pelo contexto disfuncional em que vivem, normalmente familiar, condições sociais desfavoráveis ou por serem portadores de algum transtorno psíquico não diagnosticado, que os levam a utilizar as drogas como atenuador de sofrimento ou alívio de alguns sintomas produzidos por estes transtornos. São as chamadas comorbidades. É uma forma de lidar de forma patológica com suas angústia e frustrações.
Exemplos: depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de humor, ou até mesmo transtornos de personalidade.
Nestes casos, o diagnóstico precisa ser esclarecido o mais rapidamente possível para que o tratamento seja realizado de forma adequada.
Se procurarmos a palavra dependência no dicionário, encontraremos os termos “sujeição” ou “subordinação”.
Do meu ponto de vista, aquele que coloca algo ou alguém do tamanho ou até mesmo maior do que a sua própria vida, vive em estado de submissão, sujeição ou subordinação. No caso da dependência química é sujeitar-se ao álcool e/ou as outras drogas, todas elas psicoativas, ou seja, atuam diretamente no sistema nervoso central alterando seu funcionamento. E para isto, não é necessário beber ou se drogar todos os dias. O que caracteriza a dependência é o relacionamento que a pessoa estabelece com os químicos, ou seja, mesmo tendo enormes prejuízos em sua vida, continua a usá-los de forma compulsiva, ainda que seja só nos finais de semana.
A dependência química foi reconhecida como patologia incurável em 1956, pela OMS. Não tem causa específica, é multicausal, ou seja, fatores genéticos, hereditários, sociais e ambientais fazem parte das possibilidades do surgimento da doença no indivíduo. Por isso, os profissionais atuais, conhecedores e estudiosos deste assunto, procuram combater, principalmente, os sintomas apresentados através de medicação, caso necessário, informações sobre a doença e da reeducação do indivíduo doente, acreditando na recuperação do usuário na medida em que o mesmo pare de ingerir os tóxicos e se disponha a reformular e modificar seus hábitos de vida.
O indivíduo, quando depende do químico, permite que a droga “escolha” por ele, não conseguindo parar de usá-la.
Torna-se assim um escravo da mesma e acredita erroneamente que não é possível viver sem ela.
Exemplo disto é aquela pessoa que só frequenta lugares onde têm bebidas e dificilmente vai a algum que não as têm. Normalmente é o primeiro a chegar e o último a sair. Só param de beber ou se drogar quando a bebida e a droga acabam, quando a comemoração chega ao fim, ou então quando já estão em um estado tal de alteração física e de consciência que os impede de continuar o consumo.
Quando chegam neste ponto, é importante frisar que o prazer que se sentia antes não existe mais e que o desprazer é a sensação que mais se tem.
O psiquiatra e psicanalista argentino Eduardo Kalina usa o termo ADICÇÃO para explicar muito bem essa questão da dependência:
“O substantivo dependência (adicción) designa em castelhano a inclinação ou apego de alguém ou algo. “Nos termos da República Romana, o particípio passado addictum, empregado como adjetivo, designava o homem que para saldar uma dívida convertia-se em escravo, por não dispor de outros recursos para cumprir o compromisso contraído.
“Addictum era aquele que se assumia como marginal; aquele que fatal ou voluntariamente fora jogado a uma condição inferior à que lhe coubera em outro momento; em suma, alguém que não soubera ou não pudera preservar aquilo que lhe conferia identidade. O adicto aparece, assim, como despojado: é aquele que perdeu sua identidade e simultaneamente, adotou uma outra identidade como único modo possível de saldar sua dívida.
“Pela renúncia a uma identidade verdadeira, mas insustentável, o adicto restabelece o equilíbrio social perdido em virtude da sua inadimplência. Adicto era aquele que evitava a dissolução total de sua existência pela aceitação pública de sua falta de direito a uma identidade pessoal. Para ser alguém, devia aceitar que não era ninguém.
“O mesmo mecanismo marca a submissão do dependente à droga dentro dos limites de mandato de uma família enferma, que assegura abertamente sua cumplicidade”.
Sendo assim, adicção aqui quer dizer dependência, em relação às drogas, lícitas (álcool, cigarro, calmantes, etc) e/ou ilícitas (maconha, cocaína, crack, merla, LSD, exctasy), etc; entrando também neste rol os psicofármacos.
Artigos muito esclarecedores sobre dependência química e alcoólica, demonstrando conhecimento e grande experiência na área. Gostei muito!
Obrigada, Ivana! Volte sempre!